02⠀⠀FERRAMENTAS INVISÍVEIS – DE WEISER A WARDE
Ubiquidade, interface invisível, interação amigável... tudo isso são clichês muito grandes do Design de Mídia Digital. No entanto, Mark Weiser em seu texto "The world is not a desktop" conseguiu encaixar conceitos muito complexos e válidos sobre a interação humano-computador e trazer um aspecto inovador para a discussão: que tipo de interação está sendo projetada quando pensamos nos computadores mais contemporâneos?
O filme "Her (2013)" é um exemplo perfeito da crítica do autor, que não chegou a ver esse filme por ter falecido 14 anos antes de sua estreia. Nesse filme, o sistema operacional chamado "Samantha" é personificado na voz de uma mulher sedutora – cuja voz foi emprestada da atriz Scarlett Johansson – com consciente e personalidade tamanhas que fazem o personagem principal, Theodore – interpretado por Joaquin Phoenix – se apaixonar por ela.
No entanto, a Samantha, enquanto aparato tecnológico, vai na contramão de tudo aquilo que Weiser propõe. Para ele, uma interação realmente intuitiva entre o humano (Theodore) e o computador (Samantha) precisa funcionar em consonância com a mente humana de forma tão profunda que isso possa ser feito quase inconscientemente. Ou seja, não deveríamos precisar prestar atenção na máquina para que ela funcionasse. Não deveríamos precisar nos relacionarmos com nosso computador para que ele fosse eficiente. Theodoro não deveria sequer ter a chance de se apaixonar por Samantha.
Por isso, afirmo que Mark seria um ferrenho crítico a essa narrativa de especulação tecnológica que construir Samantha. Ela é a personificação de uma interface tecnológica sedutora e que demanda um ato consciente e ativo do seu usuário. Em contraposição, Weiser é enfático em dizer, no seu texto, que as interfaces invisíveis e, portanto, ubíquas, são as que melhor interagem com o ser humano.
And most importantly for this essay, should computer interfaces be attractive at all? Attractiveness is the opposite of invisible.
– WEISER, 1994
Além disso, evitar uma ferramenta sedutora é também citado por tipógrafos como algo desejável. Beatrice Warde, considera a primeira dama da tipografia, criou a teoria da "Taça de cristal" que foi muito bem explicada pela metáfora em seu texto intitulado "A taça de cristal" (ou “Por que a tipografia deve ser invisível”):
Imagine que você está diante de um jarro com vinho. Pode escolher o seu vinho predileto para essa demonstração imaginária, mas que seja um tinto de tons avermelhados intensos e reluzentes. E à sua frente estão duas taças.
Uma é de ouro sólido, entalhado com os mais requintados padrões. A outra é de vidro transparente como cristal, tão fino e translúcido quanto uma bolha. Sirva o vinho e beba; conforme a taça que escolher, vou saber se você é ou não um conhecedor de vinhos.
Pois, se você não tiver nenhum tipo de sentimento pelos vinhos, irá preferir a sensação de bebê-lo de um recipiente que talvez tenha custado milhares de libras esterlinas; mas, se você for um membro dessa tribo em via de desaparecimento, a dos apreciadores de safras excepcionais, terá preferido a taça de cristal, pois nesta tudo é calculado para revelar, em vez de ocultar, a beleza daquilo que deve conter.
– WARDE, 1932.
Para Beatrice, assim como para Mark, a ferramenta não deve sobrepor o conteúdo. Na tipografia, a ferramenta é a letra (ou a "taça de cristal", na metáfora construída por Warde). Para Mark, a ferramenta é o próprio computador (ou o sistema operacional, na metáfora construída pelo filme "Her"). Dessa forma, se o objetivo é buscar uma melhor interação entre o humano e o conteúdo, tudo aquilo que não é nem o humano e nem o conteúdo deve ser tão fácil quanto possível.
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